Cade inova e aposta em arbitragem entre empresas

Ana Frazão

Ana Frazão relatou primeiro ACC com cláusula de arbitragem (Crédito Moreira Mariz/Agência Senado)

Por Iuri Dantas – Brasília
Por Bárbara Pombo – Brasília

Após uma série de debates internos, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) decidiu apostar em cláusulas de arbitragem para solucionar conflitos específicos que possam surgir após seu aval a fusões e aquisições.

A inovação representa um avanço institucional previsível e natural para o xerife da concorrência, diante de mercados e operações cada vez mais complexos, que exigem um acompanhamento permanente, e cada dia mais caro, do regulador.

O instrumento da arbitragem foi incluído recentemente, por conselheiros do Cade, em dois Acordos de Controle em Concentração (ACC) – documentos nos quais as empresas abdicam de unidades ou se comprometem a praticar determinados procedimentos.

“O Cade tem procurado mecanismos mais eficientes para o cumprimento material de suas decisões”, explicou o presidente do conselho, Vinicius Marques de Carvalho.“Estamos apostando na arbitragem, como meio alternativo de soluções de conflitos, como uma possibilidade de reduzir custos de monitoramento de decisões do colegiado.”

Segundo Carvalho e outros integrantes do tribunal administrativo ouvidos pelo JOTA, a efetividade das decisões do Cade estaria, portanto, no cumprimento dos ACCs. Daí a necessidade, em alguns casos, de uma avaliação técnica de problemas como o acesso a uma ferrovia por terceiros ou o preço de um insumo usado por todo o mercado, os dois casos iniciais em que a ferramenta foi adotada.

A ideia é deixar de lado questões menores, mas que impactam as condições de mercado, e permitir aos conselheiros uma avaliação mais global do problema. A solução foi amplamente negociada com as empresas. As conversas definiram não apenas o que poderá ser solucionado por uma espécie de parecer arbitral, mas também quem assume os custos e possíveis gatilhos para que uma das partes inicie o processo de arbitragem.

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Método alternativo

Segundo conselheiros do CADE, a arbitragem prevista nos ACCs é a da Lei 9.307, de 1996, que instituiu no Brasil o método alternativo de solução de conflitos.

“O parecer técnico não envolve o contraditório. Não queremos uma opinião, mas uma opinião que decorra de um diálogo e de um procedimento equânime”, afirma a conselheira Ana Frazão, acrescentando que é do CADE a última palavra sobre o parecer arbitral. “Estamos preocupados com a concorrência e não com o concorrente.”

Na avaliação de especialistas em arbitragem, a iniciativa do CADE é louvável, embora o termo usado nos acordos seja tecnicamente impreciso. “Há particularidades que mais conduzem a um parecer técnico ou uma arbitragem híbrida do que a uma arbitragem propriamente dita”, afirma a advogada Selma Lemes, uma das coautoras da Lei da Arbitragem (Lei 9.307, de 1996).

Uma das particularidades é justamente a possibilidade de o CADE rever o parecer arbitral. “Isso violaria frontalmente a espinha dorsal da lei, que é a vinculação das partes à decisão arbitral”, afirma Selma. Por outro lado, como a decisão do árbitro não é vinculativa e as partes assinaram o acordo, o CADE poderia impor a arbitragem sem que as empresas alegassem falta de consentimento em relação a solução.

A possibilidade de o Cade seguir caminho diferente do sugerido no parecer arbitral é real e prevista pelos conselheiros. “A ultima palavra continua sendo do Cade”, sintetiza Ana Frazão. “Claro que a ideia não é querer reexaminar todo o trabalho do arbitro, partimos da premissa que, via-de-regra, o arbitro faz um trabalho bem feito.”

A arbitragem entrou no radar do Cade ao analisar a venda da Fosbrasil pela Vale para a Israel Corporation, uma joint venture que pode incomodar o mercado por causa dos preços praticados na venda de ácido fosfórico -insumo usado na produção de fertilizantes. Se uma das duas empresas discordar do preço, a solução será encontrada via arbitragem, de acordo com o ACC firmado em dezembro.

Procuradas as empresas declinaram os pedidos do JOTA por entrevistas a respeito do assunto.

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Frete de ferrovia

No mês passado, o conselho voltou a incluir a arbitragem no ACC que permitiu a aprovação da fusão ALL-RUMO. Para evitar que a Cosan, dona da Rumo, controlasse a ferrovia da ALL e impedisse o uso da estrada de ferro por concorrentes elevando os preços de frete, os conselheiros impuseram diversos remédios comportamentais.

Além de manter publicamente os preços para consulta, a empresa também deverá arcar com a arbitragem caso algum concorrente discorde dos valores praticados.

+JOTA: Leia aqui o ACC da fusão assinado pela Cosan

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Dispute Board

Segundo especialistas, a experiência do xerife da concorrência se aproxima de uma técnica utilizada em grandes obras de infraestrutura chamada de dispute board. Se existe divergência no curso da obra, um corpo técnico de especialistas – engenheiros, por exemplo – se reúnem para emitir uma decisão que não é vinculante às partes. O mecanismo é previsto, inclusive, no contrato de concessão da linha 18 do metrô de São Paulo.

“Uma série de arbitragens já foram evitadas com esse procedimento que permite o contraditório”, afirma a advogada Eleonora Coelho, do escritório Castro, Barros, Sobral, Gomes Advogados. “A solução apresentada pelo Cade é uma tentativa de dispute board.”

O presidente da Cosan, Marco Lutz, definiu como “minúcia” e disse que não tinha “opinião específica”. “Acho aceitável restrições que não afetam capacidade de investimento”

Na visão de Tiago Severo, professor da FGV-RJ, é possível questionar se a inclusão da arbitragem para solucionar casos complexos de fusões e aquisições gera dúvidas representa um avanço ou “um passo atrás”.

“A primeira hipótese, e totalmente louvável diga-se de passagem, seria como a utilização da técnica da ‘even more economic aproach’ do direito praticado na União Europeia como forma de equalizar o melhor comportamento dos agentes econômicos naquele mercado determinado”, assinala Severo, que também é colunista do JOTA. “Por outro lado, isso pode significar um passo atrás. No Brasil, a Lei de Arbitragem prevê que são as partes que devem escolher o terceiro que irá decidir acerca de um futuro ‘dissabor’. E se uma das partes questionar judicialmente o acordo firmado? O Cade poderia ter imposto determinada cláusula? Elogiando a inovação trazida pelo CADE, teremos que aguardar para saber se demos um passo à frente ou um atrás.”