Contribuições para a análise de custos na arbitragem

Thales Stucky[i] – Luis Peretti[ii]

A discussão de custos é tema recorrente entre os usuários de arbitragem, mesmo não sendo esse o principal atrativo do instituto.

Muito além do aspecto ‑ inegavelmente redutor ‑ das despesas que podem decorrer de sua utilização, as vantagens da arbitragem como método adequado de resolução de disputas decorrem de características mais importantes, como, por exemplo: (i) a prerrogativa de escolha dos julgadores da confiança das partes, (ii) a qualidade das decisões proferidas por especialistas, (iii) a adaptabilidade do procedimento em função das características do litígio, (iv) a finalidade das sentenças arbitrais ou, ainda, no contexto internacional, (v) a circulação das decisões através da ampla rede de signatários da convenção de Nova York.

Sem embargo disso, já se pensou que a arbitragem pudesse oferecer uma alternativa econômica ao litígio judicial, embora essa ideia enfrente atualmente importantes contestações[iii]. De fato, não resta dúvida de que, em se tratando de despesas, a principal vantagem da arbitragem não reside na contenção de gastos, mas na redução dos custos de oportunidade[iv] infligidos às partes na espera por uma prestação jurisdicional que pode se levar anos ou mesmo décadas para ser concluída.

Ainda há, contudo, muitos outros aspectos por considerar. Este artigo aborda dois enfoques relevantes para a avaliação dos custos na arbitragem: os efeitos da arbitragem na gestão tributária de créditos não recebidos (1) e a gestão dos honorários advocatícios em contraste com as novas disposições do novo Código de Processo Civil (“Novo CPC“) (2).

1/ A arbitragem e a tributação de recebíveis

A tributação incidente sobre os créditos em litígio pode ser relevante para a avaliação dos custos da arbitragem.

Imagine-se a situação de um credor que executou parte de suas obrigações, as quais foram aceitas pela contratante, ensejando a emissão dos documentos de cobrança (incluindo as notas fiscais) e a inscrição em sua contabilidade de um crédito recebível. Posteriormente, no entanto, o devedor recusa o pagamento invocando seus motivos.

Pois bem, nessa hipótese, mesmo sem ter recebido o efetivo pagamento, o credor pode estar sujeito a tributação. De acordo com o art. 43 do Código Tributário Nacional, o Imposto de Renda incide “sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica“. Dessa forma, ao contabilizar um recebível, esse crédito passa a compor a base de cálculo para fins de apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (“IRPJ“). Como o IRPJ é recolhido no regime de competência, considera-se o momento em que o recebível passa a existir, independentemente da data em que a obrigação será efetivamente quitada. Ainda que o efeito de caixa só venha a ocorrer no futuro, o contribuinte pode ser obrigado a apurar o IRPJ (e Contribuição Social sobre o Lucro – “CSSL“), sobre crédito que ainda não obteve efetivamente e que, em caso de inadimplência, nem sequer virá a receber.

Ocorre que, no caso específico de inadimplência, justamente para evitar esse efeito negativo (recolhimento de IRPJ/CSSL sobre valores não materializados), existem medidas legais para que tais haveres possam ser baixados como perda dedutível de IRPJ/CSSL. Nesse sentido, o art. 340 do Regulamento do Imposto de Renda (“RIR“) erige como condição para a dedutibilidade das perdas no recebimento de créditos superiores a trinta mil reais a iniciativa do credor em persegui-los judicialmente, determinando que “poderão ser registrados como perda os créditos: […] desde que iniciados e mantidos os procedimentos judiciais para o seu recebimento[v].

Além disso, o art. 341, §1º do RIR determina que a baixa só se torna definitiva quando o credor tiver perseverado cinco anos em medidas judiciais para a recuperação do crédito. Caso desista das medidas judiciais antes do transcurso desse prazo, “a perda eventualmente registrada deverá ser estornada ou adicionada ao lucro líquido“, voltando a compor a base de cálculo tributável do IRPJ. Trocando em miúdos, o credor só pode dar baixa definitiva desse crédito frustrado ao superar cinco anos de litígio.

Por certo, a perseguição desses créditos é facilitada quando existe título executivo extrajudicial; contudo, considera-se neste artigo a hipótese em que o credor não pode executar diretamente a dívida, que deve ser confirmada por tutela de conhecimento.

Nesse contexto, importa observar que a menção a “procedimentos judiciais” nos arts. 340 e 341 do RIR abarca a perseguição desses créditos também pela via arbitral. Essa conclusão se impõe pelo exame da legislação atual sobre a matéria, afinal a arbitragem tem natureza jurisdicional[vi], como reconhece boa parte da doutrina[vii].Contudo, vale a ressalva de que essa conclusão ainda não está sedimentada perante o fisco. Como a administração tributária ainda não exarou manifestação expressa reconhecendo que procedimentos arbitrais satisfazem a hipótese legal dos arts. 340 e 341 do RIR, há risco de ela adotar posicionamento divergente, cabendo ao contribuinte assegurar o cumprimento de suas obrigações e exercer a cautela necessária em vista do caso concreto.

Sem embargo disso, a possibilidade de se registrar como perda os créditos perseguidos por meio de arbitragem é elemento importante na análise dos custos do procedimento. Ainda que a instauração de procedimento arbitral demande investimentos consideráveis, o credor vinculado a cláusula compromissória (e que não possa executar diretamente a dívida inadimplida) pode sopesar os efeitos tributários do recurso à arbitragem, especialmente diante da possibilidade de registrar seu crédito como perda na pendência de uma decisão sobre a matéria.

Assim fazendo, a instauração de arbitragem traria ao credor de uma dívida que não foi honrada ao menos um prêmio de consolação: a possibilidade de esses créditos serem deduzidos da base de cálculo do IRPJ/CSSL, baixando-os em perda em lapso de tempo provavelmente mais breve do que poderia resultar de um processo judicial.

Ainda que o credor não prevaleça na demanda, ele poderá ‑ embasado no laudo resultante ‑ baixar definitivamente como perda o crédito discutido. Nessa situação, a celeridade e finalidade da arbitragem resultam em inegável vantagem ao credor[viii].

Permanecendo inerte, o credor estaria sujeito aos tributos incidentes sobre uma dívida contestada por sua contratante; iniciando a discussão, o crédito pode, nas circunstâncias adequadas, vir a ser tratado como perda. Assim, os encargos fiscais e o investimento na arbitragem podem ser sopesados na decisão estratégica de instaurar arbitragem.

A percepção dos custos envolvidos na arbitragem também passa pelos honorários advocatícios, existindo marcada diferença entre a aplicável na arbitragem e a existente no Novo CPC.

 

 

2/ Honorários advocatícios na arbitragem e no Novo CPC

As disposições sobre honorários advocatícios no Novo CPC reforçam a diferença entre seu tratamento no contencioso judicial e na arbitragem.

O Novo CPC, em seu art. 85, acolhe a sistemática dos honorários sucumbenciais já conhecida na forma do art. 20 do CPC de 1973[ix] e do Estatuto a Advocacia[x], dispondo que “a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor[xi].

Contudo, diversamente do diploma de 1973, cujo art. 21 admitia a compensação entre honorários sucumbenciais “se cada litigante fo[sse] em parte vencedor e vencido[xii], ou da Súmula nº 306 do Superior Tribunal de Justiça[xiii], de teor equivalente, o § 14 do art. 85 Novo CPC veda “a compensação em caso de sucumbência parcial“.

Justificável que possa ser essa disposição[xiv], ela poderá aumentar o volume de honorários a serem pagos aos advogados envolvidos no litígio às expensas das partes litigantes, pois não se compensarão os honorários advocatícios, que serão vertidos aos patronos da parte adversa isentos da compensação do regime anterior.

Neste ponto, prepondera na arbitragem um de seus princípios basilares: a autonomia da vontade das partes. O art. 27 da Lei de Arbitragem dispõe que a sentença arbitral decidirá sobre a responsabilidade das partes sobre as custas e despesas com a arbitragem, abarcando nesse conceito os custos incorridos com a representação por advogado no procedimento arbitral. No entanto, a responsabilidade por esses custos deve ser distribuída conforme as “disposições da convenção de arbitragem, se houver[xv]. O pagamento de honorários advocatícios, inclusive sucumbenciais, pode ser modulada pelas partes.

Na convenção de arbitragem, as partes podem estipular (i) quais os custos e despesas a serem ressarcidos e (ii) qual o modo de seu rateio. Essa distribuição normalmente segue uma de duas regras mais recorrentes: ou cada parte arca com seus próprios custos de representação a despeito do resultado, ou a parte sucumbente fica responsável pelo ressarcimentos dos honorários desembolsados pela parte vencedora (a tradicional regra “costs follow the event“)[xvi]. Reconhece-se na arbitragem a liberdade de escolha no que tange à previsão e pagamento dos honorários advocatícios.

Conclusão

Os dois aspectos citados neste artigo estão muito longe de esgotarem a discussão sobre os custos da arbitragem e sua comparação com as despesas inerentes ao litígio judicial.

Contudo, numa discussão que é continuamente reanimada por novas considerações e perspectivas, a possibilidade de a arbitragem integrar um planejamento tributário que organize as obrigações tributárias incidentes sobre créditos inadimplidos e a possibilidade de estipular regras de honorários sucumbenciais distintas daquelas constantes do Novo CPC devem certamente ser considerados na avaliação dos custos da arbitragem.


[i] Sócio do grupo tributário de Trench, Rossi e Watanabe Advogados. Graduado pela PUCRS e LL.M. em Tributação Internacional pela New York University School of Law.

[ii] Advogado no grupo de arbitragem de Trench, Rossi e Watanabe Advogados. Diplomado do Instituto de Estudos Políticos de Paris (SciencesPo). Master em Direito e Globalização Econômica pela Universidade de Paris I Panthéon-Sorbonne, Master em Direito Comparado pela Universidade de Paris II Panthéon-Assas.

[iii] BLACKABY, Nigel; PARTASIDES, Constantine. Redfern and Hunter on International Arbitration. Oxford University Press, 2015, § 1.123: “International arbitration was once a relatively inexpensive method of dispute resolution. It is no longer so“.

Entre os entrevistados no mais recente estudo promovido conjuntamente pela Queen Mary University of London e pela banca White & Case “2015 International Arbitration Survey: Improvements and Innovations in International Arbitration“, 68% citaram os custos da arbitragem como uma das três piores características da arbitragem internacional. Disponível em http://www.arbitration.qmul.ac.uk/docs/164761.pdf. Acesso em 16.03.2016.

[iv] Vide, por exemplo: SALAMA, Bruno Meyerhof. Análise Econômica da Arbitragem. In: TIMM, Luciano Benetti (org.). Direito e Economia no Brasil. São Paulo: Atlas, 2012, p. 384:

“Na prestação jurisdicional estatal, o tempo de espera por uma decisão definitiva gera alto custo para as partes, que ficam privadas dos bens ou direitos litigiosos durante todos os anos que precedem o efetivo cumprimento da decisão transitada em julgado. Neste caso, as partes arcam com o custo de oportunidade decorrente da privação dos bens e direitos disputados em Juízo. O custo de oportunidade indica o valor do benefício abandonado ao se escolher uma alternativa em vez de outra. É, portanto, o custo de algo em termos de uma oportunidade renunciada ou impedida. Quanto mais longo o processo, maior o custo de oportunidade”.

[v] Regulamento do Imposto de Renda, Decreto 3.000 de 1999, art. 340:

“As perdas no recebimento de créditos decorrentes das atividades da pessoa jurídica poderão ser deduzidas como despesas, para determinação do lucro real, observado o disposto neste artigo.

  • 1º Poderão ser registrados como perda os créditos: […]

II – sem garantia, de valor:

[…]

  1. c) superior a trinta mil reais, vencidos há mais de um ano, desde que iniciados e mantidos os procedimentos judiciais para o seu recebimento […]”.

[vi] Essa conclusão impõe-se pela interpretação sistemática dos dispositivos que regem o instituto, afinal, a Lei de Arbitragem (i) confere aos árbitros a qualidade de juízes de fato e de direito, (ii) confia-lhes a manutenção, modificação ou revogação de medidas cautelares ou de urgência concedidas pelo Poder Judiciário, do mesmo modo que (iii) o Novo CPC reconhece os laudos arbitrais como títulos executivos judiciais. Tudo isso está a demonstrar que o ordenamento brasileiro reconhece que o árbitro, nos limites de sua investidura, tem jurisdição para decidir a controvérsia.

[vii] Sobre o tema, veja-se, por exemplo: CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 88. VALENÇA Fo., Clávio de Melo. Poder Judiciário e Sentença Arbitral: de acordo com a nova jurisprudência constitucional. Curitiba: Juruá, 2008, p. 49.

[viii] O art. 23 da Lei de Arbitragem determina que, na ausência de estipulação diversa, “o prazo para a apresentação da sentença é de seis meses contado da instituição da arbitragem“, quando se torna final e irrecorrível, podendo ser atacada apenas por ação declaratória de nulidade. Ressalvada a ampla defesa e o contraditório que caracterizam o instituto, a duração do procedimento arbitral pode ser modulada pelas partes, o que pode contribuir para a mitigação das perdas decorrentes do eventual inadimplemento.

[ix] Lei 5.869 de 1973, art. 20: “A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Esta verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria“.

[x] Lei 8.906 de 1994, art. 23: “Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor“.

[xi] Novo Código de Processo Civil, Lei 13.105 de 2015, art. 85:

“A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

  • 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial”.

[xii] Código de Processo Civil de 1973, Lei 5.869 de 1973:

“Art. 21. Se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos e compensados entre eles os honorários e as despesas.

Parágrafo único. Se um litigante decair de parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e honorários”.

[xiii] Súmula 306 do Superior Tribunal de Justiça: “Os honorários advocatícios devem ser compensados quando houver sucumbência recíproca, assegurado o direito autônomo do advogado à execução do saldo sem excluir a legitimidade da própria parte. (Súmula 306, CORTE ESPECIAL, julgado em 03.11.2004, DJ 22/11/2004 p. 411)”.

[xiv] A compensação, pelas partes litigantes, de créditos dos quais não são titulares (os honorários sucumbenciais pertencem aos advogados) podia de fato ser considerada contraditória com o art. 368 do Código Civil, que condiciona a compensação à reciprocidade de créditos e dívidas.

[xv] Lei de Arbitragem, art. 27:

“A sentença arbitral decidirá sobre a responsabilidade das partes acerca das custas e despesas com a arbitragem, bem como sobre verba decorrente de litigância de má-fé, se for o caso, respeitadas as disposições da convenção de arbitragem, se houver”.

[xvi] ICC Commission Report. Decisions on Costs in International Arbitration. ICC Dispute Resolution Bulletin 2015, Issue 2, p. 5:

“It became apparent in the preparation of this Report that arbitrators’ approaches to the allocation of costs are often influenced and informed by practice in the courts and/or under the laws of the countries of origin of the parties and the arbitrators or of the place of arbitration. That practice reveals two basic approaches: either the loser pays the successful party’s costs (sometimes called ‘costs follow the event’); or each party pays its own costs regardless of the outcome. These approaches are understood and applied differently in different countries”.