O Financiamento da Arbitragem por Terceiros e o Dever de Revelação

Autor: Bruno Barreto de Azevedo Teixeira [1] 

Em momentos de crise econômica, os litígios contratuais são cada vez mais comuns. Com o boom do uso da arbitragem nos contratos empresariais, a tendência é que o número de arbitragens cresça no País nos próximos anos. No entanto, apesar se suas inúmeras vantagens, como a especialidade dos árbitros, a flexibilidade do procedimento e a celeridade do processo, se comparada com o Poder Judiciário brasileiro, a arbitragem ainda é um procedimento bastante custoso para as Partes.

E estes custos não se limitam somente aos custos ordinários de uma arbitragem, como as taxas de registro e administração dos procedimentos arbitrais; os honorários dos árbitros, dos advogados, e, eventualmente, de assistentes técnicos e peritos nomeados pelo Tribunal. Dependendo das características do procedimento, ainda existe uma gama de custos indiretos da arbitragem – principalmente os custos relacionados à realização da audiência – que certamente contribuem para os altos custos do procedimento arbitral. Nos casos das arbitragens internacionais, onde boa parte destes custos é indexada ao dólar americano, os custos ficam ainda mais proibitivos.

Por muitas vezes, estes custos assustam as Partes interessadas em levar um litígio à arbitragem. Há, inclusive, aqueles que argumentam que os altos custos dos procedimentos arbitrais seriam de certa forma, um óbice ao acesso à justiça. Contudo, essa tese já foi refutada em alguns casos; no mais proeminente destes, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em acórdão de lavra do Desembargador Alexandre Câmara, entendeu que, uma vez que “não cabe ao Judiciário pronunciar-se sobre a validade e eficácia das convenções de arbitragem”, não poderiam as cortes estatais afastar a eficácia da cláusula compromissória em caso de alto custo da arbitragem.[2]

Então, que mecanismo resta a Parte que não possui meios próprios para financiar sua arbitragem? Nos últimos anos, abriu-se um mercado de financiamento de arbitragens por terceiros (ou third-party funding, em inglês). O financiamento por terceiros ocorre quando uma parte opta por buscar financiamento para sua arbitragem (que inclui, em geral, capital para garantir as despesas desta parte na arbitragem). Em troca, o financiador (uma instituição financeira, seguradora ou um dos fundos especializados em financiamento de litígios) assume os direitos creditórios da parte financiada sobre parte ou a totalidade do montante obtido na arbitragem.

É importante frisar que qualquer forma de financiamento cujo objeto seja a capitalização voltada para o pagamento de custos e despesas da arbitragem pode ser considerada como financiamento por terceiros. Em outras palavras, ainda que um particular instrumento não seja necessariamente rotulado como third-party funding, pode-se considerar como financiamento por terceiros caso seu objeto seja o levantamento de fundos para bancar um procedimento arbitral.

Segundo Marco de Morpurgo, o financiamento de disputas por terceiros é uma das principais novidades no ramo de resolução de disputas nos últimos anos.[3] Os debates sobre as consequências do financiamento por terceiros são bastante necessários para que se busque a melhor solução para as questões que afetam a arbitragem, tanto pela ausência de regulação da prática, como pelas próprias características da solução arbitral.

Neste contexto, duas são as principais questões envolvendo financiamento por terceiros na arbitragem: deve a parte revelar a existência do financiamento ao Tribunal? E mais, deve a parte financiada revelar os termos do financiamento à sua contraparte?

Como se sabe, o art. 14, §1º, da Lei 9.307/96 (“Lei de Arbitragem”) impõe um dever de independência e imparcialidade dos árbitros em relação às Partes. Além disso, há, ainda, que se sopesar o interesse das demais partes litigantes de conhecer seus adversários, e de saber sob quais condições o procedimento arbitral será conduzido.

Em se tratando de matéria de independência e imparcialidade, é de praxe consultar as disposições das IBA Guidelines on Conflict of Interest in International Arbitration (“IBA Guidelines”), um dos principais documentos internacionais sobre arbitragem, e o esteio da normatização sobre dever de revelar. A nova edição das IBA Guidelines traz muitas inovações sobre o tema do financiamento de arbitragens por terceiros.

De inicio, logo na introdução, as IBA Guidelines afirmam que:

The Subcommittee has carefully considered a number of issues that have received attention in international arbitration practice since 2004, such as the effects of so-called ‘advance waivers’, whether the fact of acting concurrently as counsel and arbitrator in unrelated cases raising similar legal issues warrants disclosure, ‘issue’ conflicts, the independence and impartiality of arbitral or administrative secretaries and third party funding. The revised Guidelines reflect the Subcommittee’s conclusions on these issues.” (grifos nossos)

Além disso, no Princípio Geral 6(b), as IBA Guidelines afirmam que:

When a party in international arbitration is a legal entity, other legal and physical persons may have a controlling influence on this legal entity, or a direct economic interest in, or a duty to indemnify a party for, the award to be rendered in the arbitration. Each situation should be assessed individually, and General Standard 6(b) clarifies that such legal persons and individuals may be considered effectively to be that party. Third-party funders and insurers in relation to the dispute may have a direct economic interest in the award, and as such may be considered to be the equivalent of the party. For these purposes, the terms ‘third-party funder’ and ‘insurer’ refer to any person or entity that is contributing funds, or other material support, to the prosecution or defence of the case and that has a direct economic interest in, or a duty to indemnify a party for, the award to be rendered in the arbitration.” (grifos nossos)

Mas a mais importante das menções ao financiamento de arbitragem por terceiros está no Princípio Geral 7(a):

“General Standard 7(a): A party shall inform an arbitrator, the Arbitral Tribunal, the other parties and the arbitration institution or other appointing authority (if any) of any relationship, direct or indirect, between the arbitrator and the party (or another company of the same group of companies, or an individual having a controlling influence on the party in the arbitration), or between the arbitrator and any person or entity with a direct economic interest in, or a duty to indemnify a party for, the award to be rendered in the arbitration. The party shall do so on its own initiative at the earliest opportunity.” (grifo nosso)

Na Nota Explicativa do Princípio Geral 7(a), as IBA Guidelines afirmam que:

The parties are required to disclose any relationship with the arbitrator. Disclosure of such relationships should reduce the risk of an unmeritorious challenge of an arbitrator’s impartiality or independence based on information learned after the appointment. The parties’ duty of disclosure of any relationship, direct or indirect, between the arbitrator and the party (or another company of the same group of companies, or an individual having a controlling influence on the party in the arbitration) has been extended to relationships with persons or entities having a direct economic interest in the award to be rendered in the arbitration, such as an entity providing funding for the arbitration, or having a duty to indemnify a party for the award.” (grifo nosso)

Neste contexto, nos parece que a revelação da existência do financiamento é necessária. Afinal, como bem assevera Marcelo Ferro, “um árbitro só pode revelar aquilo que ele sabe, ou tem condições de saber mediante uma pesquisa razoável.” [4] Logo, como a informação da existência de um financiamento da arbitragem não é fato que pode ser objeto de averiguação pelos membros do Tribunal Arbitral, cabe à parte financiada revelar tal fato, sob o risco de se abrir as portas para uma eventual demanda anulatória da sentença arbitral.

Ademais, a exigência de divulgação do financiamento se justifica, também, pela questão da repartição de despesas da arbitragem. A maioria dos regulamentos estipula que as partes devem antecipar despesas de forma proporcional. Quando da prolação da sentença arbitral, o Tribunal Arbitral poderá determinar o reembolso do que foi antecipado pela parte vencedora, ante a sucumbência da parte vencida.

Assim, há o risco de uma das partes, em dificuldades financeiras, conseguir levantar capital para arcar com as suas despesas da arbitragem, mas, em caso de perda da causa, não possuir os fundos necessários para reembolsar as despesas da sua contraparte vencedora. Na arbitragem internacional, por vezes se requer ao Tribunal uma ordem para que a parte em dificuldades apresente garantias que cubram as potenciais despesas de sua contraparte – apesar de esta prática ainda ser incipiente no Brasil.

Nestes casos, Maxi Scherer afirma ser melhor para a arbitragem que a parte financiada revele a existência do financiamento. Isto porque o Tribunal poderá tomar uma decisão informada sobre a necessidade de caução caso haja elementos para entender que há o risco de a parte financiada não adimplir com sua obrigação de reembolsar sua contraparte em caso de perda da causa, uma vez que só teve condições de instaurar a arbitragem por conta do financiamento de terceiros.[5]

A segunda questão, porém, não é tão simples. Deve a parte financiada ser obrigada a revelar não só a existência do financiamento, mas também as condições na qual este ocorreu? A revelação das condições do financiamento é um tema controverso, que requer uma análise mais detalhada não só do financiamento em si, mas também dos interesses que se sobrepõem ao procedimento arbitral.

Um procedimento arbitral no qual uma das partes está financiada altera, de forma material, o foco da arbitragem. Uma vez que a parte financiada cede parte de seu interesse na demanda ao financiador em troca do financiamento dos custos da arbitragem, ela insere no procedimento não só os seus interesses, mas também aqueles do financiador. Como explica Marcelo Ferro, “a circunstância de serem distintas a pessoa do litigante e do financiador do processo faz surgir duas esferas de interesses passiveis de serem diretamente afetados pela solução de litigio.”[6]

Tendo em vista essa diversidade de interesses, a parte não financiada poderia, pelo menos em teoria, buscar o direito de saber não só contra quem se está litigando, mas quais interesses estão envolvidos naquele caso. Para tanto, seria necessário que a parte financiada revele não só a existência do financiamento e a identidade do financiador, mas também as condições nas quais o financiamento foi celebrado. Afinal, é virtualmente impossível entender completamente os interesses do financiador na disputa sem examinar as condições do financiamento.

Compreender estes interesses é vital tanto para o Tribunal Arbitral, quanto para a parte na arbitragem. Afinal, os interesses do financiador (e, por tabela, os da parte financiada) estarão intrinsicamente ligados às condições do financiamento. Por exemplo, é possível que uma boa proposta de acordo interesse a parte financiada, mas não o financiador, seja porque a solução célere da demanda reduz a incidência de juros compensatórios sobre o financiamento, seja porque a redução do crédito a receber pela parte financiada importaria em menor lucratividade do recebível do financiador. Contudo, exigir que a parte financiada revele as condições do financiamento é uma medida até certo ponto bastante drástica. Primeiro pois estes contratos, em geral, são confidenciais. Não é incomum que haja a aplicação de penalidades contratuais em caso de violação da confidencialidade destes tipos de acordos. Uma boa saída seria incluir uma exceção ao dever de confidencialidade em caso de ordem do Tribunal Arbitral para revelar o financiamento.

Mas ainda assim, os riscos de se obrigar a revelação das condições do financiamento são grandes. Afinal, a revelação destas condições ao Tribunal e à parte não financiada pode influenciar as condições de contratos de financiamento celebrados no futuro – especialmente considerando o mercado concentrado da arbitragem mundo afora.

Tendo em vista as complexidades do tema, bem como a ausência de previsão legal – seja na Lei de Arbitragem, seja nos regulamentos das diversas instituições arbitrais –, há que se tomar a obrigação de revelação do financiamento por terceiros cum grano salis. Parece-nos mais razoável que se exija da parte financiada a revelação da existência do financiamento, seja para garantir a manutenção da independência e imparcialidade do Tribunal, seja para permitir uma decisão informada sobre a antecipação de despesas. No entanto, a exigência de revelação das condições do financiamento pode ser um ônus extremamente oneroso não só para a parte financiada, mas também para o mercado de financiamento de disputas por terceiros.


[1] Mestre em Direito (LL.M) pela New York University. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Coordenador-adjunto do Grupo de Estudos em Arbitragem e Direito do Comércio Internacional da PUC-Rio (GEADICI – PUC-Rio). Associado de Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados. O autor gostaria de agradecer o auxilio e apoio de Ana Carolina Musa, membro do GEADICI PUC-Rio, na pesquisa que fundamentou este artigo.

[2] AC 0031996-20.2010.8.19.0209 – TJRJ – Rel.: Des. Alexandre Câmara, 2ª Turma. Data de Julgamento: 11.6.2014.

[3] MORPURGO, Marco de. A Comparative Legal and Economic Approach to Third-Party Litigation Funding in Cardozo Journal of International and Comparative Law, Vol. 343. Nova York: Benjamin N. Cardozo School of Law, 2011, p. 343.

[4] FERRO, Marcelo Roberto, O Financiamento de Arbitragens por Terceiro e a Independência do Árbitro in MONTEIRO DE CASTRO, Rodrigo Rocha et al (orgs.) Direito Empresarial e outros Estudos de Direito em Homenagem ao Professor José Alexandre Tavares Guerreiro. São Paulo: Quartier Latin, 2013, p. 630.

[5] SCHERER, Maxi. Third-party funding in international arbitration. Towards mandatory disclosure of funding agreements? in Dossier of the ICC Institute of World Business Law: Third- party Funding in International Arbitration. Paris: International Chamber of Commerce, 2013, p. 95.

[6] FERRO, Marcelo Roberto. Op. Cit., p. 626