Tribuna do Advogado da OAB RJ – Reforma na Lei da Arbitragem e regulação da mediação de conflitos impulsionam soluções extrajudiciais no Brasil

Por CÁSSIA BITTAR

Resolver de forma rápida desavenças que poderiam se estender por vários anos na Justiça comum ainda parece, para muitos, apenas um sonho. Porém, a utilização crescente dos métodos extrajudiciais de solução de conflitos vem mudando esse cenário, e cada vez mais profissionais e partes aderem no país a práticas como a arbitragem e a mediação.

Em consequência de sua expansão e a fim de regular os institutos, dois projetos de lei foram elaborados por uma comissão de juristas – e estavam prontos para votação no Senado no início de dezembro, após o fechamento desta edição. Presidido pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça Luis Felipe Salomão, o grupo trabalhou nos textos do Projeto de Lei do Senado (PLS) 406/2013, que altera as normas de arbitragem, e do PLS 405/2013, que estabelece um marco legal para a mediação, ambos do senador Renan Calheiros (PMDB/AL).

Outros dois projetos, o PLS 517/2011, do senador Ricardo Ferraço (PMDB/ES), e o PLS 434/2013, do senador José Pimentel (PT/CE), também regulamentam a mediação e tramitaram apensados ao PLS 405.

Vistos na área jurídica como métodos para desafogar a Justiça, os institutos devem ser pensados com outro propósito, segundo especialistas. “Incentivar o uso de práticas extrajudiciais apenas por serem uma solução para o acúmulo de processos da Justiça me parece algo muito simplista”, observa Francisco Maia Neto, integrante da comissão do Senado que elaborou as propostas.

Para a presidente da Comissão de Mediação de Conflitos da OAB/RJ, Samantha Pelajo, diminuir o número de processos no Judiciário é consequência, e não meta. “O objetivo, de fato, é que as pessoas sejam atendidas de uma forma melhor, tanto na mediação quanto na arbitragem. Em ambos os casos a ideia é manter o conflito em âmbito privado, com sigilo, administração de tempo e de custos. Mas sempre haverá questões que só a Justiça comum poderá resolver”.

Segundo o presidente da Comissão de Arbitragem da Seccional, Joaquim Muniz, a popularização dos institutos é benéfica para os advogados: “Não queremos que a arbitragem e a mediação sejam clubes fechados, elitizados, que os colegas achem que não podem trabalhar com isso. São hoje mercados  amplos para os profissionais, com causas muito boas”.

Ele explica que o processo de disseminação do método no país ganhou força com a promulgação da Lei de Arbitragem, de 1996, e que a mediação deve seguir o mesmo caminho com a regulamentação: “Não é de hoje que se procuram soluções alternativas para os conflitos. A arbitragem é tão antiga que foi utilizada nas disputas territoriais que definiram o contorno do Brasil, no início do Século 20. Depois disso, caiu em desuso por muitos anos, tornando-se um caso de sucesso após ser oficializada na Lei 9.307/96”. A reforma, completa Muniz, visa a corrigir pontos específicos e sanar dubiedades encontradas na prática do instituto: “São alterações pontuais, justamente porque a arbitragem já funciona muito bem”.

Samantha reforça: “A grande vantagem do marco legal será a disseminação da cultura da mediação no país, a exemplo do que ocorreu com a arbitragem”. A advogada explica, porém, que a Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já apresenta a mediação judicial como política pública de tratamento adequado dos conflitos desde 2010. “Essa resolução já traz o Código de Ética e alguns reguladores importantes”.

Bem menos avançada no Brasil do que em países como os Estados Unidos, o Canadá e a Austrália, por exemplo, a prática pode ser aplicável a diversas questões cotidianas, como disputas familiares e relações de consumo.

Para Maia Neto, que também é secretário da Comissão Especial de Mediação, Conciliação e Arbitragem da OAB Federal, o estímulo ao uso desses institutos pode ajudar, também, a acabar com as dúvidas sobre seu funcionamento: “Por ser pouco utilizada no Brasil, a mediação é muito confundida, de forma equivocada, com a conciliação e até mesmo com a arbitragem, que é algo completamente diferente”.

Segundo Samantha, uma das principais características do método é ajudar a negociação a ter viés colaborativo: “A mediação é uma negociação assistida por um terceiro imparcial, preparado tecnicamente para ajudar as pessoas a chegarem a um consenso, a compactuar seus interesses. As partes é que têm o poder da decisão”.

Já a arbitragem é comparada por Muniz a um processo tradicional: “A diferença é que são regras mais específicas, em que se podem escolher o juiz, a câmara arbitral e buscar uma qualidade melhor na decisão”.

Na opinião de Muniz, as duas práticas são um “passo seguinte” do Judiciário: “A tendência é que, cada vez mais, a própria Justiça incentive meios que não o processo judicial quando verificar ser essa a melhor solução”.

Tanto Muniz quanto Samantha representaram a OAB/RJ nas audiências públicas que o Senado realizou para aprimorar os projetos. Segundo o dirigente da Comissão de Arbitragem, os pleitos da Seccional foram atendidos e refletiram a vontade da sociedade civil: “No nosso caso, pedíamos que houvesse poucas mudanças, pois a lei vigente é muito boa. Era necessário mudar apenas o que era controverso e consolidar o que já vinha sendo exercido na prática, em busca da segurança jurídica”.

Tendo com uma das principais inovações a possibilidade de uso do método em contratos com a administração pública, a reforma da Lei de Arbitragem traz ainda a previsão de regulamentação da carta arbitral. “Algumas decisões de um árbitro podem precisar da atuação de outro juiz. Isso causava um problema prático, pois magistrados que não conheciam muito bem o modelo de arbitragem se recusavam a colaborar. Agora isto está previsto tanto no projeto de reforma da lei quanto no do novo Código de Processo Civil”, conta Muniz.

Maia Neto dá um exemplo: “Se uma testemunha se recusar a depor, hoje, o árbitro não tem poder de polícia para obrigá-la a comparecer. Isso é uma lacuna legal. Com a carta arbitral, ele poderá pedir a um juiz togado para fazê-lo”.

O representante da comissão do Senado destaca mais um ponto positivo dos textos: “Ambos trazem uma novidade interessantíssima: a recomendação explícita para que o Ministério da Educação institua essas disciplinas nos cursos universitários e que os concursos para as carreiras jurídicas passem a incluir perguntas sobre as práticas. Esta é uma demonstração de que estamos passando, sim, por um processo de mudança em relação às soluções extrajudiciais de controvérsias. É preciso combater a cultura do advogado pitbull, aquele que sai da faculdade querendo brigar. Os profissionais, com o tempo, estão enxergando que as práticas alternativas são benéficas a todos, inclusive a eles”.