Valor Econômico – O que muda com a Convenção de Viena

A adesão do Brasil à CISG surtirá profundas mudanças nos contratos internacionais de compra e venda de mercadorias, pois a partir do momento em que esse diploma entrar em vigor, tais contratos passarão a ser regidos pelo direito uniforme da CISG e não mais pela legislação doméstica.

 

Valor Econômico, 05/12/2012

Legislaçâo&Tributos

O que muda com a Convenção de Viena

Por Nadia de Araujo e Lidia Spitz.

O Congresso Nacional aprovou a adesão do Brasil à Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (“CISG”), de 1980, que está em vigor no plano mundial desde 1988 (Decreto Legislativo nº 538, publicado em 19 de outubro de 2012). Agora, resta apenas aguardar o decreto de promulgação, da Presidenta da República, para que esse importante diploma sobre o comércio internacional passe a fazer parte do direito brasileiro, ocasião em que o país ingressará no extenso clube de Estados que já o adotaram. Atualmente, a CISG conta com 78 Estados contratantes, incluindo os mais expressivos parceiros comerciais do Brasil, como exemplo, os países do Mercosul, (Argentina, Paraguai e Uruguai, mas não a Venezuela), os Estados Unidos, Canadá, diversos países europeus (sendo o Reino Unido uma das exceções), países asiáticos e alguns integrantes do bloco dos Brics (Rússia e China).

A adesão do Brasil à CISG surtirá profundas mudanças nos contratos internacionais de compra e venda de mercadorias, pois a partir do momento em que esse diploma entrar em vigor, tais contratos passarão a ser regidos pelo direito uniforme da CISG e não mais pela legislação doméstica. Por essa razão, as empresas e os advogados com atuação na área internacional precisam conhecer as regras da Convenção, que versam sobre a formação do contrato de compra e venda e os direitos e obrigações do comprador e do vendedor, tendo em vista que no que se refere a essas matérias, a CISG passa a ser o direito aplicável aos contratos, e não o Código Civil brasileiro.

A Convenção de Viena, como é conhecida, consiste em um conjunto de regras uniformes sobre a compra e venda internacional de mercadorias e por meio de 101 artigos busca descrever com transparência e simplicidade as normas que devem ser observadas nessa modalidade de contrato. Estima-se que, atualmente, mais de dois terços das transações de compra e venda internacional são regidas pela CISG.

A adesão do Brasil surtirá profundas mudanças nos contratos

O objetivo maior da Convenção consiste em conferir segurança e certeza às partes no tocante aos direitos e obrigações assumidos contratualmente, o que resulta em uma sensível redução nos custos das transações. Explica-se: no passado, inexistia um texto global, uniforme e neutro para reger os contratos internacionais. Quando se instaurava uma divergência entre as partes, havia dúvida acerca de qual a lei seria aplicada ao contrato – aquela vigente no Estado do comprador, do vendedor ou até mesmo de um terceiro Estado. Hoje, o texto uniforme da CISG permite que os contratantes saibam exatamente as suas obrigações e o que esperar em caso de descumprimento contratual, de modo que a transação internacional torna-se um negócio menos incerto e mais previsível, o que economicamente resulta em uma redução dos custos envolvidos.

Um dos cânones da CISG é o respeito à autonomia da vontade, conferindo-se às partes não apenas a possibilidade de derrogar algumas de suas disposições, mas também excluir integralmente a aplicação da Convenção (opt out). Na ausência de acordo, são as regras da CISG que vão reger os contratos internacionais de compra e venda de mercadorias.

Deve ser ressaltado que algumas mercadorias não estão abarcadas no escopo da convenção, quer seja pela finalidade da operação (mercadorias adquiridas para uso pessoal, familiar ou doméstico), natureza da compra e venda (em hasta pública ou em execução judicial) ou natureza das mercadorias (valores mobiliários, títulos de crédito, moeda, navios, embarcações, aerobarcos, aeronaves e eletricidade).

Outro pilar da CISG que deve nortear a atuação daqueles envolvidos na elaboração e execução dos contratos é que em função do seu caráter internacional, a interpretação do texto convencional deve ocorrer de forma autônoma com relação à legislação nacional. Isso significa que, no tocante às matérias reguladas pela convenção, as questões devem ser dirimidas de acordo os princípios que a inspiraram, e não por meio de recurso à lei doméstica. A farta jurisprudência sobre a CISG, emanada de tribunais de outros países (até o presente, foram mais de 2.500 casos julgados), deve sempre ser utilizada, já que exerce um papel uniformizador de intepretação e aplicação da convenção, embora não tenha qualquer efeito vinculante, e sim apenas persuasivo.

Com algum atraso, o Brasil caminha no sentido de se adequar à realidade do comércio internacional mundial, possibilitando às empresas brasileiras se valer do mesmo grau de certeza e segurança jurídica nos contratos internacionais daquele já vivenciado em tantos outros países. Agora, é o momento de se familiarizar com a CISG, pois a sua aplicação na prática jurídica será uma realidade inafastável.


Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações