Um outro tipo de xadrez: é hora de disseminar a prática da arbitragem

Autor: Rodrigo Moreira

Passados quase 20 anos da promulgação da Lei, pode-se afirmar que a Arbitragem é uma realidade no Brasil. Não restam dúvidas quanto ao seu reconhecimento pelo Judiciário, diante as inúmeras decisões judiciais que garantem a eficácia das cláusulas e compromissos arbitrais firmados país afora.

O mesmo vale para o mercado. Há quem diga que contratos de grande importância, natureza complexa e que envolvem valores vultosos adotam, quase em regra, a inclusão de cláusula compromissória.

A consolidação deste movimento foi, sem dúvida, resultado do trabalho árduo dos profissionais que compõem a “comunidade arbitral”, que vem atuando de forma intensa pela consolidação e evolução do instituto no Brasil.

Neste sentido, pode-se afirmar ainda que o processo de consolidação da arbitragem passou por uma fase inicial de disseminação do conhecimento sobre o instituto. Afinal, se hoje a arbitragem é uma das protagonistas do movimento pela solução extrajudicial dos conflitos, no início da vigência da Lei tratava-se de instituto majoritariamente desconhecido dos operadores do direito e do mercado.

Assim, a realização de cursos, eventos, seminários, palestras, congressos e etc. foi fundamental para trazer a arbitragem das sombras do conhecimento para o centro das discussões sobre métodos de resolução de conflito.

Os tempos, no entanto, são outros. Com a consolidação, vem também a massificação da arbitragem. O natural aumento no volume de litígios, sobretudo num contexto de crise econômica, decerto fará a arbitragem deixar de ser uma atividade de nicho, restrita a profissionais especializados.

Esse saudável processo de “democratização” apresenta novos desafios à comunidade arbitral (agora cada vez mais ampla). O trabalho de disseminação de conhecimento teórico passa a ser insuficiente, pois, dadas as características particulares de um procedimento arbitral, o desafio passa a ser disseminação da prática.

Isso se explica por diversas razões. Como é de conhecimento, os procedimentos arbitrais são, em regra, sigilosos, de modo que não é possível a um profissional qualquer entrar numa sala de audiência e acompanhar os trabalhos ou mesmo ter acesso aos autos de um procedimento.

Além disso, a flexibilidade própria de um procedimento arbitral faz com que a prática se afaste consideravelmente do contencioso judicial. Isto porque, muito embora o procedimento arbitral seja orientado pelo due process e tratado de forma mais detalhada nos regulamentos das Câmaras, as Partes e o Tribunal Arbitral têm grande liberdade para adaptá-lo às especificidades do caso concreto, o que em regra não ocorre em processos judiciais, dada a rigidez do Código de Processo Civil[1].

Por conta disso, a arbitragem possui práticas e costumes específicos, aos quais o advogado não experimentado dificilmente tem acesso. Desde a assinatura do termo, passando pela fase postulatória até a produção de provas, as diferenças são marcantes, exigindo do advogado habilidades muito diferentes daquelas exigidas no contencioso judicial.

Desta forma, é possível afirmar que a advocacia praticada num procedimento arbitral é consideravelmente diferente daquela exercida diante de uma Corte estatal. Obviamente ainda se trata da resolução de um conflito, mas as peças no tabuleiro do conflito se movem de forma diferente – ou seja, é um outro tipo de xadrez.

A tarefa de disseminar a prática, no entanto, não é exatamente simples. A metodologia é muito diferente daquela utilizada na transmissão do conhecimento teórico. Neste particular, vale ressaltar a bem-sucedida experiência das competições de simulação de arbitragem – os Moots -, que vem se tornando cada vez mais populares no país. Nestas competições, os alunos simulam a atuação em casos concretos, atuando na redação de memorandos e também na sustentação em audiências, na qual são avaliados por advogados que atuam como árbitros.

Muito embora sejam essenciais na formação destes alunos – falo por experiência própria -, as simulações são insuficientes, na medida em que não reproduzem a totalidade de um procedimento, mas apenas uma parte. Ficam de fora etapas essenciais, como a redação do termo de arbitragem e a produção da prova oral e da prova pericial, que exigem do advogado habilidades determinantes no caso concreto – como o “cross examination” (interrogatório cruzado), que não faz parte da nossa cultura contenciosa[2].

É necessário, portanto, desenvolver metodologias que permitam disseminar tais práticas e habilidades para o público amplo, a fim de preparar o advogado mais afeito ao contencioso judicial a atuar num procedimento arbitral sem grandes surpresas – e sem que sua falta de familiaridade prejudique sua atuação e, por consequência, o direito de seu cliente.

Note-se que não se trata de preocupação menor, mas essencial, na medida em que a atuação de um profissional não experimentado pode prejudicar enormemente o procedimento, tornando-o ineficaz e demorado, causando verdadeiros traumas aos profissionais envolvidos (e aos clientes), que podem associar a arbitragem àquela má experiência, afastando-se do instituto.

Um eventual cenário de más experiências em massa seria extremamente nocivo para o desenvolvimento do instituto no Brasil, pois de pouco adianta a disseminação do discurso pró-arbitragem se, na prática, os profissionais não comprovarem que se trata de método eficiente de resolução de conflitos.

Cabe à comunidade arbitral, portanto, se antecipar a este cenário, desenvolvendo formas de introduzir os profissionais ao mundo da arbitragem na prática. A disseminação deste conhecimento, portanto, atende sobretudo à defesa do instituto.

Algumas iniciativas vêm sendo desenvolvidas neste sentido. A Comissão de Arbitragem da OAB/RJ lançou, no ano passado, o “Curso Prático de Advocacia em Arbitragem”[3], com o objetivo de apresentar uma abordagem teórica e prática do instituto. A OAB/MG, por sua vez, também lançou iniciativa semelhante[4], assim como a OAB/AM[5], o que indica, de fato, de que a disseminação da prática é uma tendência no país inteiro.

Tratam-se de iniciativas louváveis, diante do verdadeiro desafio pedagógico e metodológico que a missão impõe. Afinal, é possível aprender xadrez por livros, mas nada supera a prática.

É evidente, portanto, que a etapa final da consolidação da “cultura da arbitragem” passa não apenas pela divulgação do instituto e a disseminação do conhecimento teórico, mas também pela disseminação das práticas, a fim de permitir que a adoção do instituto em maior escala ocorra de forma produtiva para todos os envolvidos.

 

[1] O Novo CPC busca mitigar esta rigidez, inclusive adotando algumas práticas similares às da arbitragem, mas a flexibilidade jamais será a mesma – o que é justificável, uma vez que o CPC se destina a regular conflitos numa escala absolutamente diferente.

[2] O Novo Código de Processo Civil, no art. 459, acaba, em tese, com o sistema de repergunta, sendo permitido ao advogado interrogar diretamente as testemunhas, o que permitiria o cross examination nos processos judiciais. No entanto, somente o tempo irá demonstrar como os interrogatórios ocorrerão na prática.

[3] http://www.oabrj.org.br/evento/16497-advocacia-em-arbitragem-curso-pratico

[4] http://www.oabmg.org.br/sites/arbitragem/

[5] http://oabam.org.br/site/noticia?id=298