Security for Costs na Arbitragem: da utilidade e da necessidade da medida

Autor: José Victor Palazzi Zakia

É indiscutível que busquemos cada vez mais aprimorar a prática arbitral de forma a garantir às partes que recorrem a essa jurisdição a satisfação de seus direitos. Não por outra razão, admite-se a utilização das mais diversas técnicas processuais com o objetivo de salvaguardar a higidez do procedimento arbitral e dar-lhe maior eficiência.

Por este motivo que também se faz amplamente aceita na arbitragem a concessão de medidas de urgência pelos árbitros, sendo instrumentos úteis a garantir e salvaguardar os direitos das partes antes do provimento final.

Nesse sentido, uma das típicas medidas adotadas pelos tribunais arbitrais é a garantia de custas (security for costs). Trata-se de medida cautelar visando garantir eventual ressarcimento pelos pagamentos das custas e despesas processuais, bem como verbas de sucumbência. Visa, portanto, garantir um provimento futuro.

Não obstante seja uma medida aplicável a ambas as partes, nos chama a atenção o papel relevante que tal medida possui em favor das partes requeridas, reequilibrando a situação processual. A teoria aponta que as requeridas usualmente correm maior risco de ver uma sentença de custas frustradas do que sua contraparte. As partes requerentes podem analisar os custos que incorrerão com a propositura da demanda e efetivamente tomam a decisão por iniciar ou não o procedimento, se verificarem que a parte demandada não possui recursos suficientes nem para sustentar eventual condenação de custas, é bem provável que a parte requerente opte por não iniciar o procedimento e busque outros meios de garantir sua pretensão[i].

Diferentemente das requerentes, as requeridas não possuem uma verdadeira opção em mãos: ou optam por incorrer em custos processuais e litigar garantindo sua defesa, ou optam por uma postura revel que aumenta significativamente as chances de derrota na sentença final[ii]. Estão sob o risco iminente de sofrerem perdas significativas, sendo compelidas a despender recursos para sua defesa, ainda que tais custos só sejam recuperados se o autor possuir patrimônio suficiente[iii].

Inobstante essa função de reequilibrar a situação das partes, fato é que a medida de security for costs é bastante útil para garantir o provimento futuro, seja ele em prol das requerentes ou das requeridas. Contudo, devem ser sopesadas as circunstâncias concretas de cada caso de forma a tornar a referida “utilidade” da medida em uma verdadeira “necessidade” para a salvaguarda de direitos.

Nesse sentido, muito embora seja positivada a possibilidade da concessão de medidas de urgência em sede arbitral, nada há de explícito (e nem deveria haver) quanto a quais medidas podem ser pleiteadas e quais os critérios objetivos para sua concessão.

Ao contrário do que possa parecer, a falta de critérios objetivos não é óbice à perfeita aplicação e concessão das medidas de urgência. Essa liberdade e essa flexibilidade dadas pela Lei de Arbitragem possibilitam o desenvolvimento de um procedimento da forma que melhor compreenda as necessidades das partes. Contudo, é necessário que se determine um norte interpretativo, pois sua falta pode levar à insegurança das partes acerca da condução do procedimento arbitral.

Por ser objetivo tanto das partes como dos árbitros minar quaisquer possibilidades de surpresas processuais, torna-se necessária a definição de alguns critérios para a concessão das medidas.

Chama-nos a atenção a existência de soft laws arbitrais que já pautaram possíveis princípios gerais a serem seguidos pelos árbitros na análise da aplicabilidade da medida de security for costs. O Ciarb (Chartered Institute of Arbitrators) emitiu em 2015 suas guidelines para concessão de security for costs intitulada “Application for Security for Costs[iv].

Logo no primeiro artigo das referidas guidelines são definidas premissas que devem ser levadas em consideração pelos tribunais arbitrais quando analisando a aplicabilidade da medida. São estes: (i) a possibilidade de sucesso na demanda principal; (ii) a possibilidade da parte cumprir uma condenação de custos; e (iii) a razoabilidade da medida diante das circunstâncias do caso concreto. Os três requisitos são mais desenvolvidos nos artigos que se seguem, respectivamente os artigos 2, 3 e 4.

Quanto ao primeiro requisito, o art. 2º das guidelines determina que os árbitros devem considerar, sob uma análise superficial, se há necessidade da concessão de uma medida de security for costs de acordo com a verossimilhança dos argumentos das partes. Nos comentários ao artigo, observa-se que quanto maiores as chances de sucesso da parte requerente na demanda principal, menores são as chances de o tribunal arbitral conceder a medida de security for costs pleiteada pela requerida. Por outro lado, caso a defesa do mérito pareça ser mais verossímil, os árbitros podem ser mais favoráveis à concessão da medida[v]. Não obstante, como o próprio comentário ilustra, na maioria dos casos a verossimilhança das alegações das partes não é suficiente para sozinha fundamentar a decisão.

O segundo requisito, contido no art. 3º das guidelines, é o que nos parece ser o mais importante. Propõe-se que os árbitros analisem se há risco, para a parte que demanda o security for costs, de não conseguir executar uma eventual sentença de custos – seja em razão da contraparte não possuir recursos, seja por o patrimônio não estar prontamente disponível à execução.

Contudo, mesmo tal critério deve ser lido através das circunstâncias do caso concreto. No mesmo art. 3º estipula-se que, mesmo diante de eventuais riscos, os árbitros não devem conceder a medida de custas se as partes tinham ciência dos riscos e ainda assim os aceitaram como parte do risco da atividade no momento da concepção do negócio. Mesmo diante de critérios objetivos, é bem possível e muitas vezes provável que as partes estivessem cientes das eventuais dificuldades que poderiam ter para executar uma eventual sentença condenatória. Os próprios comentários ao artigo delimitam diversas situações onde as partes usualmente estão cientes e aceitam risco de obstáculos à execução de uma possível sentença arbitral, como a localização da sede das partes em território estrangeiro.

Por fim, determinou-se o disposto no art. 4º, de acordo com o qual os árbitros devem avaliar o quanto seria justo impor a uma das partes o dever de realizar o depósito do security for costs em razão das circunstâncias fáticas. Assim, mesmo que objetivamente se verifiquem cumpridos os artigos 2 e 3, poderão os árbitros concluir que não seria aplicável a medida do security for costs, por exemplo, se a parte que solicita a cautelar contribuiu para a concretização do risco, ou mesmo se a concessão de tal medida inviabilizaria o prosseguimento da arbitragem, ou se a medida cautelar foi proposta em flagrante abuso de direito processual, entre outros.

Consideramos que essas diretrizes determinadas pela soft law são bastante úteis e de possível aplicação, pois entendemos que a própria guideline se propõe a dar critérios objetivos especificamente para a condução de procedimentos arbitrais, o que nos parece ser uma forma técnica e precisa de balizar a questão da medida de security for costs. Não só, mas os requisitos apresentados na soft law muito se aproximam de requisitos que encontramos na própria prática processual brasileira. O referido art. 2º das guidelines impõe uma verdadeira análise do fumus boni iuris, ou seja, impõe ao árbitro, de certa forma, avaliar em que medida a parte que pleiteia o security for costs realmente possui uma pretensão aparentemente meritória, isso, pois, estabelece como critério a análise do “prospecto de sucesso” da demanda. Já o art. 3º das mesmas guidelines nos aproxima do conceito de periculum in mora, uma vez que estabelece como requisito a análise do “risco” da parte solicitante não conseguir executar uma sentença em seu favor, ou seja, o “perigo” de ver-se prejudicada a parte solicitante em razão da demora até que se obtenha a sentença arbitral final.

Por mais que haja a proposição de critérios objetivos, o art. 4º e mesmo trechos e diretrizes dos artigos 2º e 3º, por sua vez, delimitam uma margem de interpretação mais ampla, garantindo aos árbitros a possibilidade de analisarem não só requisitos objetivos, mas também as circunstâncias fáticas e os impactos que a decisão a ser proferida terá no processo. Essa flexibilidade e essa amplitude permitem um exercício mais discricionário por parte dos árbitros, de forma que podem assegurar o bom resultado da arbitragem da maneira mais efetiva. É o que se vê, por exemplo, quando o próprio art. 4º menciona que se deve analisar se é “justo” conceder o pedido de security for costs.

Assim, a leitura conjunta de todos esses artigos nos parece ser um bom norte interpretativo para os árbitros avaliarem a necessidade da concessão do pedido de security for costs. Trata-se de critérios razoavelmente objetivos, mas que permitem uma flexibilidade necessária para garantir a melhor prestação jurisdicional possível.

 


[i] KARRER, Pierre A.; DESAX, Marcus. Security for costs in international arbitration: why, when, and what if, in BRINER, Robert(ed.). Law of international business and dispute settlement in the 21st century. Colony: Carl Heymanns, 2001, p. 340.

[ii] COLBRAN, Stephen. Security for costs of arbitration proceedings in England, New Zealand and Australia, in Journal of international arbitration, v. 9, n. 1, 1993, p. 85.

[iii] PESSEY, Jean-Baptiste. When to Grant Security for Costs in International Commercial Arbitration: the Complex Quest for a Uniform Test. Georgetown University Law Center, p. 5.

[iv] http://www.ciarb.org/docs/default-source/practice-guidelines-protocols-and-rules/international-arbitration-guidelines-2015/2015securityforcosts.pdf?sfvrsn=16

[v] Commentary on article 2, (b): “If their preliminary view, based on the information before them, is that the claim has a reasonably good prospect of success, arbitrators may conclude that this factor is against an order for security. Conversely, if their preliminary view is that the defence has a reasonably good prospect of success, then they may conclude that this factor is in favour of an order for security”.