Valor Econômico – Arbitragem no regime de partilha do pré-sal

Por Alex Vasconcellos Prisco

O descobrimento de grandes reservatórios de óleo e gás nas áreas do pré-sal motivou a edição de um novo marco regulatório para exploração e produção de hidrocarbonetos, com intricadas modificações na ordem político-administrativa de órgãos e entidades públicos setoriais, além de introdução do contrato de partilha.

Forjada num contexto de maior intervencionismo estatal, a legislação atribuiu papel de destaque ao Ministério de Minas e Energia (MME) e ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) – com a consequente compressão da atuação reguladora da ANP -, tendo autorizado a criação de uma empresa pública, a PPSA, incumbida da gestão dos contratos de partilha a serem celebrados entre União, Petrobras e empresas privadas.

Apesar das alterações, a regulação do pré-sal, similarmente à Lei do Petróleo, prestigiou os métodos alternativos de resolução de conflitos, dispondo que os contratos de partilha terão como cláusula essencial regras sobre solução de controvérsias, que poderão prever conciliação e arbitragem.

Arbitragem no regime de partilha significa ir além das disputas entre as partes

Na experiência exitosa dos contratos de concessão, há cláusula arbitral de boa completude, pela qual os conflitos inconciliáveis entre concedente e concessionário são submetidos à arbitragem, conforme as normas estabelecidas no regulamento de prestigiosa corte internacional de arbitragem, a CCI. Os árbitros devem decidir a questão com base nas leis brasileiras, sendo a cidade do Rio de Janeiro a sede da arbitragem e o lugar da prolação da sentença arbitral, que será definitiva e obrigará as partes.

Ocorre que, com o aumento da presença de organismos estatais influindo maciçamente nas atividades, falar em arbitragem no regime de partilha significa ir além das disputas entre contratante e contratado, para também considerar outras dimensões contingenciais, como os confrontos entre atores estatais não integrantes do contrato de partilha e entre esses e as empresas contratadas.

A primeira situação surge da complexa interação de organismos do Estado como ANP, PPSA, Petrobras, CNPE e MME. Seria irrealista imaginar que não existirão pontos de fricção. Exemplo: as normas do pré-sal estipulam que cabe à PPSA fiscalizar o operador – a Petrobras -, a qual, antes de dividir o óleo com a União, será ressarcida dos custos exploratórios. Na prática, isso significa que a PPSA terá acesso à contabilidade e relatórios operacionais da Petrobras que, por ser uma empresa que lida com interesses públicos estratégicos, vive sob certa cultura de sigilo. A PPSA persegue a maximização do petróleo pertencente à União, ao passo que a Petrobras maximizará seus próprios lucros, numa dinâmica conflituosa, fruto da índole empresarial de ambas. Outra hipótese seria o embate entre PPSA e ANP, já que aquela será regulada por esta, havendo quem vislumbre sobreposição de funções entre elas. Indaga-se: os impasses envolvendo organismos estatais poderiam ser resolvidos pela arbitragem? Sim.

E o local mais apropriado seria a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF), da AGU, encarregada de compor controvérsias jurídicas que envolvam entidades da Administração Federal indireta e entre elas e a União. Há inclusive a possibilidade de a CCAF, deparando-se com matérias mais técnicas como as do setor petrolífero, buscar o auxílio de peritos especializados. A Câmara tem ainda aptidão para dirimir questões de ordem pública sobre competência, o que não é possível na arbitragem convencional, restrita a direitos patrimoniais disponíveis.

Indo para outra dimensão, é possível antever divergências das empresas contratadas com a PPSA e a ANP que, embora não sejam partes no contrato de partilha, terão grande interferência sobre ele. Exemplos: deliberação prejudicial do comitê dos consórcios tomada por influência decisiva da PPSA (pelo uso do voto de qualidade) e medida regulatória desproporcional da ANP. Não há dispositivo legal a permitir que essas pendências sejam solucionadas por mecanismos extrajudiciais de solução de conflitos. Na estreiteza da lei, somente a contratante (União) e as contratadas (Petrobras e empresas privadas) estão autorizadas a ir ao juízo arbitral para resolver seus problemas.

Mas isso não significa que as controvérsias entre contratadas, PPSA e ANP tenham de ser necessariamente submetidas ao Judiciário. Embora inexista previsão legal de arbitragem para quem não seja parte no contrato de partilha, é juridicamente viável que confrontos entre terceiros que intervenham na contratação sejam solucionados por essa via, mediante celebração de compromisso arbitral. No caso da PPSA, nada obsta que o instrumento de consórcio preveja cláusula compromissória, ressaltando que a jurisprudência do STJ admite adoção de arbitragem em contratos envolvendo o Poder Público, independentemente de autorização legislativa específica.

No âmbito do regime de partilha, portanto, a arbitragem deve ser estimulada e aplicada em todas as suas dimensões, sendo uma maneira eficaz de atender os interesses públicos e de atrair os investimentos privados necessários ao desenvolvimento da indústria nacional do petróleo.