Jornal Valor Econômico – O financiamento de disputas arbitrais

Por Adriane Nakagawa

O financiamento de disputas arbitrais ou judicias por terceiros já é realidade nos Estados Unidos, Alemanha, França, Austrália e Reino Unido. Neste último, uma consultora da Harbour Litigation afirmou em recente entrevista que as financiadoras possuem um potencial de investimento acima de R$ 1,5 bilhão. A exemplo da Harbour, as grandes financiadoras, como Burford, Calunius e Juridica procuram alta rentabilidade, o que significa que priorizam causas grandes que sejam patrocinadas, preferencialmente, por escritórios com boa reputação.

No Brasil, o tema é novo e, exceto por debates pontuais, o financiamento de terceiros é uma incógnita para o público. Ainda não temos companhias que ofereçam regularmente esses serviços e os casos são isolados, talvez até por desconhecimento do know-how do ramo.

É possível tecer muitas considerações sobre o tema dos custos para se litigar no país, porém, como é na arbitragem que os custos iniciais tendem a ser mais elevados, é nesta área que cabem algumas ponderações. Para se entender as possibilidades e desafios, é necessário primeiro abordar a sua definição e depois verificar o que os tribunais arbitrais têm a dizer sobre o financiamento.

À primeira vista, o conceito é simples: uma terceira parte cobre as despesas do litígio (custas judiciais, honorários de advogados) em troca de uma percentagem a ser cobrada sobre o resultado econômico. Desse processo participam o advogado da parte, o grupo de analistas da empresa financiadora e, eventualmente, até de um intermediário (broker), uma espécie de corretor. Comumente, o contrato de financiamento contém cláusulas sobre o tipo de informação que deve ser compartilhada, forma de resolução de disputas e o que se pretende cobrir:despesas com advogados, ônus da sucumbência e, assim por diante.

No contexto da arbitragem internacional, o financiamento tem figurado no centro das atenções recentemente e os exemplos se multiplicam. No entanto, o papel do financiador ainda não foi satisfatoriamente explicado. Há quem tema os conflitos de interesse e desrespeito do devido processo legal, enquanto outros temem violações contra a confidencialidade nas arbitragens e do sigilo profissional. Recentes casos no Centro Internacional para Resolução de Diferendos Relativos a Investimentos – CIRDI – Instituição arbitral, parte do grupo do Banco Mundial, com sede em Washington D.C., que administra casos de arbitragem ou conciliação em matéria de investimentos -, lançaram luz sobre outra discussão: a própria natureza do financiamento como um fator capaz de mudar o equilíbrio econômico entre as partes, com efeitos sobre a sucumbência. A conclusão até o momento, repetida em três decisões, é que nada na arbitragem internacional de investimentos exigiria que o financiamento por terceiro fosse levado em consideração pelo tribunal arbitral ou pelo comitê responsável pela análise dos pedidos de anulação de sentença. Não haveria, assim, qualquer razão para tratar de forma diferente o financiamento de terceiros, em comparação com outras formas de seguro para disputas.

Isso reforça a ideia de que os tribunais arbitrais não têm, pelo menos no âmbito das arbitragens de investimento, se aplicado ao estudo do papel do financiamento. O termo financiador pode levar à conclusão errônea de que ele participa ativamente na arbitragem. Apesar de se tratar de entidade interessada no resultado do litígio, não é signatário da convenção de arbitragem, nem um terceiro chamado ao procedimento. O financiador não tem (ou não deveria ter) conexão com o núcleo da disputa. Isso não significa, no entanto, que esta prática não possa criar problemas na arbitragem.

Por um lado, há a questão do conflito de interesses que pode surgir entre o financiador, as partes e o tribunal arbitral. Uma verificação de conflito prévia pode prevenir a ocorrência de violações, por exemplo, das diretrizes mundialmente reconhecidas da International Bar Association (IBA) sobre o tema. Por outro, é discutível a existência de riscos ao processo arbitral. Quanta informação pode ser compartilhada com financiador? De que formas um financiador pode tentar influir na condução do litígio? Estas são questões que exigem consideração durante as negociações do contrato.

Quanto à alocação de custos, embora seja possível argumentar que não é “justo” recuperar os custos para uma parte que, na verdade, não incorreu em quase nenhum, é preciso ter em mente que a alocação visa a refletir o sucesso das partes em litígio. Na medida em que o financiador atua como uma fonte externa de capital, ressalvados os casos referidos acima, não deveria haver consequências para essa divisão.

Claro que é possível pensar diferente se a convenção de arbitragem permitir que o tribunal arbitral decida com base em equidade. Mas este é um assunto para outro artigo, e, quem sabe, até então haverá um debate sobre a regularização desta atividade, ou um tribunal arbitral que analisará mais ativamente o impacto do financiamento e o papel do financiador nas arbitragens.

Adriane Nakagawa é especialista em arbitragem e defesa comercial do L.O.Baptista-Schmidt.Valois.Miranda. Ferreira. Agel Advogados

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