Inquirição de testemunhas em arbitragens: aprendendo com as melhores práticas (e não com os exemplos de filmes de tribunal)

Joaquim de Paiva Muniz[1]

Uma das maiores contribuições da arbitragem para a prática jurídica no Brasil foi o desenvolvimento de técnicas de inquirição de testemunhas pelos advogados, o que impactou, inclusive, o Código de Processo Civil de 2015, o qual se distanciou da tradição brasileira de inquirição preferencialmente pelo juiz. Consagrou-se a pergunta do advogado às testemunhas, aprimorando significativamente a prova testemunhal.

No campo da arbitragem, a inquirição pelo advogado foi influenciada pela tradição anglo-saxã, muito diferente da realidade de nosso sistema de direito civil. Estamos ainda cultivando uma maneira de realizar inquirição de testemunhas “à brasileira”. Trata-se, como todo aprendizado, de processo de tentativa e erro, especialmente quanto à inquirição de testemunhas hostis, conhecida como cross-examination. Ressalte-se a delicadeza desse depoimento, pois a testemunha provavelmente fez prova em favor da parte contrária e o advogado deseja desconstruir o depoimento.

Dentre os erros, pode-se destacar os seguintes:

1 – Advogado agressivo com a testemunha, como se fosse um clichê de filme de tribunal.

2 – Advogado que faz “sustentação oral” na pergunta, com questões muito longas e/ou sobre matérias jurídicas. Ou seja, o advogado confunde a postulação com a produção de prova.

3 – Advogado que não deixa a testemunha responder ou que põe palavras na sua boca.

4 – Advogado que faz perguntas sempre com alguma “pegadinha”, para a testemunha incorrer em erro.

Por outro lado, o depoimento em audiência talvez esteja sendo super-valorizado, passando meteoricamente de “dama da noite” para “rainha” das provas.  Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. A prova testemunhal tem suas fragilidades, tais como:

1 – A testemunha tende a ter viés em favor da parte que solicitou seu depoimento. Não me refiro aqui à parcialidade ou falta de independência – afinal, a parte está obrigada a falar a verdade -, mas sim de viés natural, na maioria das vezes até subconsciente.

2 – A ciência tem mostrado que a memória humana é falha e imprecisa.

3 – A qualidade do depoimento pode depender muito mais da personalidade do depoente do que do conteúdo. Por exemplo, uma testemunha depondo a verdade pode fracassar na audiência ou cair em contradição por nervosismo ou insegurança.

Apesar de ser uma arte e demandar estratégia sofisticada, a inquirição de testemunhas não pode se tornar um mero jogo entre advogados, em que a aparência da verdade se sobrepõe à verdade real. 

Nesse sentido, há certas medidas práticas que os árbitros podem tomar, tais como:

1 – Sempre que possível, fazer com que a inquirição direta da testemunha seja feita mediante declarações escritas, com o depoente se sujeitando à cross examination na audiência.

2 – Compelir as partes a indicar com a maior clareza possível sobre quais pontos a testemunha deporá e em que medida esse depoimento se relaciona com o ônus da prova, dispensando depoimentos desnecessários.

3 – Participação mais direta dos árbitros na inquirição, não só para moderar a atuação dos advogados, mas especialmente para esclarecer suas dúvidas de forma ativa. Afinal, eles são os destinatários finais da prova e não meros espectadores do trabalho dos advogados.

O caminho se faz caminhando. Estamos no processo de amadurecimento da nossa melhor maneira de inquirição de testemunhas, sem maneirismos, de modo que a técnica realize a sua função, qual seja, a descoberta da verdade dos fatos.

[1] Sócio de Trench, Rossi e Watanabe. LL.M, University of Chicago. Autor de livros com Arbitration Law of Brazil: Practice and Procedure (Juris Publishing) e Curso Básico de Direito Arbitral (Juruá). Presidente da Comissão de Arbitragem da OAB/RJ.