Insolvência, Arbitragem Internacional e Financiamento de Disputas de Arbitragem: Algumas Considerações da Perspectiva do Financiador

Ruth Teitelbaum[1]

À luz da devastação econômica da pandemia global, haverá, em processos de insolvência, um aumento nos pedidos de aprovação dos chamados “acordos de financiamento de terceiros” para financiar ações de arbitragem internacional. Embora o chamado “financiamento de terceiros” não seja facilmente definido,[2] o financiamento aqui referido, para fins desta breve discussão, é o de um provedor de capital que não faz parte da estrutura do capital existente de uma empresa e que está dispensando capital sem garantias, é dizer, se o requerente não ganhar ou não obtiver alguma forma de acordo monetário ao final da arbitragem, o financiador não receberá compensação, nem do valor principal do capital fornecido nem qualquer retorno do capital principal fornecido.

No contexto da insolvência, os insolventes podem considerar recorrer aos financiadores quando os atuais acionistas de uma empresa não puderem ou quiserem financiar ações, incluindo procedimentos arbitrais, que seriam uma fonte de recursos potenciais para distribuição aos credores. Como os financiadores de disputas de arbitragem internacional avaliam as situações de insolvência? O que é mais importante entender sobre os financiadores e como eles avaliam os investimentos potenciais em litígios é que há muitas maneiras por meio das quais um financiador pode perder, mesmo que seja vencedor em um caso de arbitragem.

 Um financiador “perde” se o custo e o tempo para monetizar um caso significam que teria investido melhor com um perfil de risco mais baixo. Um financiador perde também se uma sentença arbitral significar pouco mais do que um pedaço de papel, porque o réu é insolvente, não possui bens penhoráveis ​​ou não pode pagar. Um financiador perde se, devido a uma violação ou falha na transação de financiamento subjacente ou devido a uma circunstância superveniente, não conseguir garantir a sua parte dos rendimentos do litígio. Esse é o tipo de perda que pode arruinar a capacidade de um financiador de fazer negócios no futuro.

Um financiador também pode estar em situação precária se estiver na mira de acusações de fraude. Por exemplo, no caso Teinver vs. Argentina, uma arbitragem ICSID,[3] a Argentina acusou Burford, um financiador da arbitragem, de fraude. Embora essas acusações não tenham impactado o resultado do caso, nem a reputação de Burford,[4] pode-se imaginar cenários em que acusações ou investigações de fraude podem impedir a capacidade de um financiador de coletar recursos de um caso ou de financiar casos de arbitragem no futuro por colocar em causa os deveres fiduciários de um financiador, entre outros danos à sua reputação.

A insolvência adiciona uma dose significativa de risco em direção a um fracasso potencial descrito acima. Um problema gritante que a insolvência de um requerente apresenta a um financiador é a questão de quem possui e controla o direito de reivindicação e os direitos pleiteados pelo requerente. Em termos de operação de financiamento, uma das cláusulas mais importantes é o compromisso assumido pelo requerente de que ele é o verdadeiro requerente e o proprietário do crédito objeto da arbitragem. O requerente normalmente se compromete a não ceder os direitos da arbitragem a ninguém sem o consentimento do financiador e promete que o seu direito na arbitragem não será atribuído a outra pessoa devido a dívidas supervenientes ou outras circunstâncias. Se, devido a uma reorganização posterior no processo de insolvência, o requerente for substituído por outra pessoa, essa parte não será parte no contrato de financiamento e, então, o financiador terá um problema muito grave.

Além dos riscos à continuidade do relacionamento com um requerente, adicionar um financiador a uma disputa, principalmente o financiamento de um requerente insolvente, levanta uma série de questões de governança, sendo a mais gritante a prioridade de pagamento. Um financiador provavelmente buscará uma “cascata” (priorização contratual de pagamento) no acordo de financiamento, de modo que seja pago primeiro. Um financiador não vai querer entrar em conflito com a prioridade dos pagamentos devido à insolvência. Um financiador pode considerar a estruturação de uma transação pela qual ele compra a dívida da empresa para que possa ter certeza de ter prioridade no pagamento.

Um contrato de financiamento normalmente inclui questões de governança que podem gerar conflitos com um requerente em insolvência. Um financiador normalmente deseja ter alguma capacidade de avaliar a decisão de um requerente de contratar ou demitir um advogado. Ter que buscar permissão para essas decisões com um requerente em insolvência normalmente seria visto como um fardo a ser evitado. Na arbitragem ICSID de Teinver vs. Argentina, por exemplo, cujo processo de insolvência na Espanha foi iniciado após o início da arbitragem, a Argentina afirmou que a insolvência dos requerentes encerrou a procuração outorgada ao escritório de advocacia King & Spalding para representá-los na arbitragem. Essas afirmações acabaram não afetando o resultado da arbitragem, mas nos lembram do potencial de um processo de insolvência interferir tanto na reivindicação quanto na governança de um contrato de financiamento em uma arbitragem internacional.

Outras questões menos dramáticas de governança, mas também importantes, dizem respeito a fornecer informações aos tribunais domésticos e ao administrador judicial sobre o andamento de uma ação de arbitragem internacional. Outro aspecto que deve ser considerado é o fato de que um contrato de financiamento, se aprovado em um processo de insolvência, provavelmente se tornará parte dos registros do tribunal e será de domínio público ou detectável. Pode-se pensar que esse desenvolvimento é inevitável ou benigno à luz do fato de que há uma ênfase crescente na divulgação de financiamento em disputas de arbitragem internacional, inclusive por organizações no Brasil. No entanto, há uma diferença entre a divulgação da existência de financiamento e a divulgação dos detalhes econômicos de um contrato de financiamento. Esses detalhes econômicos podem incluir uma série de possíveis danos contemplados nos piores cenários imaginados, que podem minar os números invocados no relatório de danos de um requerente. A divulgação de um contrato de financiamento também pode incluir cláusulas relativas a responsabilidades que estão fora do escopo de uma disputa de arbitragem, mas podem, no entanto, ser usadas como informações para prejudicar ou tentar prejudicar uma parte em uma arbitragem.

 Diante dessas dificuldades que se apresentam, é provável que vejamos um aumento de duas posições assumidas pelos financiadores em arbitragem internacional. Alguns financiadores poderão assumir um risco formidável comprando empresas insolventes como ativos contingentes, algo que exige capital significativo e apetite por risco, mas também permite o exercício de mais controle ao se inserir na estrutura de capital como devedor, por exemplo. Se essa nova estrutura pode ser chamada de “financiamento de terceiros” é altamente questionável, posto que significaria que qualquer compra de ativo em dificuldades também seria considerada financiamento de terceiros.

O outro caminho que os financiadores provavelmente escolherão com maior frequência é na direção oposta, na qual os financiadores evitam qualquer relacionamento com a parte insolvente e evitam qualquer relacionamento direto com uma reivindicação específica. Em vez disso, eles podem encontrar uma maneira de financiar escritórios de advocacia diretamente, seja por meio de acordos de portfólio ou apoiando acordos de contingência de escritórios de advocacia. Embora o financiamento de escritórios de advocacia reduza o risco significativo de perda em termos de governança e questões transacionais, ele levanta uma série de questões éticas e de governança para advogados e escritórios de advocacia.

Embora essas estruturas não eliminem os desafios trazidos pelos credores durante uma insolvência, elas mitigam alguns dos riscos inerentes decorrentes de partes insolventes na busca de financiamento para reivindicações em arbitragem internacional.

___

[1] Deputy General Editor of Arbitration International. Managing Member, Ruth Teitelbaum PLLC. Ruth foi Diretora da Tenor Capital Management entre 2015-2021 e agora é árbitra e mediadora independente. Essa breve análise é baseada, em parte, em palestra proferida pela autora durante o Painel Jovem ITA intitulado “YoungITATalks: Arbitration & Insolvency: When Theory Meets Practice”,  ocorrido em 22 de outubro de 2021.  Disponível em:

 https://www.cailaw.org/Institute-for-Transnational-Arbitration/Events/2021/yai-arbitration-insolvency.html.

[2] Por exemplo, veja: Report of the ICCA-Queen Mary Task Force on Third-Party Funding in International Arbitration (ICCA (2018), disponível em https://www.arbitration-icca.org/publications/Third-Party-Funding-Report.html;  e Ruth Teitelbaum, ‘The Third-Party Funding Debate: A Misguided Focus on Definitions at the Expense of

Policy Considerations’. In: BCDR International Arbitration Review 5, no. 2 (2018): 209–224.

[3] O histórico procedimental da insolvência em Teinver e as acusações são descritos nas sentenças arbitrais, disponível em https://www.italaw.com/cases/1648.

[4] Veja, por exemplo: “Burford Capital announces successful conclusion to Teinver annulment applications”, maio 2019, disponível em https://www.burfordcapital.com/media-room/media-room-container/burford-capital-announces-successful-conclusion-to-teinver-annulment-applications/. Para ver a reportagem anual mais recente de Burford, veja a reportagem de 2021, disponível em https://www.burfordcapital.com/shareholders/disclosure/.